Filhos

Não gosto de partilhar a nossa intenção de adoptar. Não com toda a gente. Não com quem não compreende que, para nós, a adopção não é uma segunda opção, uma forma de contornar problemas de saúde que nos impeçam de ter filhos biológicos, mas uma primeira opção. Uma opção de vida.

Porquê? Não sei bem porquê. Por uma série de razões. Se eu dissesse que queria ter três filhos biológicos, nos próximos três anos, alguém olharia para mim da forma como me olham quando falo do nosso processo de adopção?
Ou somos malucos, porque queremos fazer nossos, filhos de drogados e prostitutas e, pior, fazer dos filhos "dessa gente" os nossos herdeiros; ou somos coitadinhos, porque não podemos ter filhos "nossos" e, por isso, temos que nos contentar com as crianças que ninguém quer.

E quando dizemos que não escolhemos sexo, nem raça, e aceitamos crianças até aos cinco anos, então, parece que cai o carmo e a trindade! Primeiro, porque nos arriscamos a ter um filho preto PRETO (e infelizmente ainda há a ideia que as pessoas de cor são inferiores intelectualmente). Depois, porque quanto mais velha for a criança, maior a probabilidade de ser delinquente e de vir a seguir as pisadas dos pais, que só podem ser drogados e prostitutas.

Claro que há quem nos olhe com assombro, como se fossemos pessoas muito boas, porque só pessoas muito boas podem decidir fazer um acto de tamanha bondade, solidariedade e amor ao próximo...

Alguém que aceite, respeite e apoie a nossa decisão, sem ideias pré-concebidas de nenhuma espécie, só encontrámos mesmo no seio da minha família...

É verdade que tenho problemas de saúde. Tenho problemas nas costas (vários desvios ao longo da coluna, entre outras coisas), mas nada que me impeça de aguentar uma gravidez. Pelo menos é o que diz a minha médica de família actual. E o que dizia a que tive antes dela.
Nestes dias de intensa humidade, sinto como se os meus ossos estivessem a apodrecer por dentro, acordo durante a noite cheia de dores, tenho algumas dificuldades em fazer coisas tão simples como sair do carro e penso o quanto seria difícil (senão insuportável) se me encontrasse no fim de uma gestação.

Mas quero um filho biológico. Só não o quero já. Primeiro quero experimentar a maternidade de outra forma... até porque já estou grávida, no coração, há tantos anos... A imagem que tenho do meu filho, aquele que me espera numa qualquer instituição, é muito mais forte do que a daquele que virá a ser gerado na minha barriga.

Até porque o primeiro já existe. Sinto que já existe. E eu tenho tantas saudades dele... como se já o conhecesse, já lhe tivesse pegado ao colo, já o tivesse abraçado e colocado a dormir...já lhe tivesse ralhado por ter feito um qualquer disparate...

Mas explicar isto não é fácil. E torna-se ainda mais difícil quando os nossos interlocutores são contra a adopção.

Para mim ser pai ou mãe, mais do que simplesmente dar continuidade à espécie ou aos genes da família, é amar e educar. E eu sei que sou capaz de amar e educar alguém que me é completamente estranho tanto como se o tivesse carregado nove meses na barriga.