26/05/2010

A triste história do N.

Há coisas que me incomodam. Muito.

O N., filho de um antigo vizinho do marido passa muito tempo connosco.
Em casa dele o ambiente não é dos melhores. Não é amado pelos pais, nem pelos avós. Para dizer a verdade, acho que não é amado por ninguém.
Sei que ele gosta de estar connosco, de ir lá para casa brincar, fazer construções, ajudar-me a fazer bolos, panquecas...
E nós gostamos de estar com ele. É verdade que é muito irrequieto, que se porta mal e tem um temperamento difícil. Mas, sinceramente, connosco não é o "demónio" que a família dele pinta. Também não é um santinho, é certo, mas chamamos-lhe a atenção e ele esforça-se. Pode não ser por muito tempo, mas esforça-se.
Julgo que não é diferente de qualquer outro miúdo de 11 anos.

No domingo passou todo o dia connosco.
Quando estávamos a almoçar, o marido começou a perguntar-lhe coisas da escola, para ver o que ele tinha aprendido. Isto porque ele teve muito más notas no primeiro período, e agora garantia-nos que estava muito melhor.
Mas a verdade é que ele não sabia nenhuma das respostas às perguntas que o D. lhe fazia. Conversa puxa conversa e a dada altura ele diz-nos que só tem as principais disciplinas 40 minutos por semana.
Foi colocado num sistema que faz com que ele passe a maior parte do tempo com crianças com problemas cognitivos. Só vai às aulas "normais" uma vez por semana. Nos restantes faz coisas como musicoterapia.
???
Naturalmente que, quando vai às aulas "normais", os professores fazem tudo para não o ter lá. Ele deu-nos o exemplo da professora de Ciências, que o costuma encaminhar para a biblioteca, já que ele não consegue acompanhar a matéria. Afinal, não vai às aulas, dãaa!!!
Tivemos algum tempo para perceber o sistema, que ele diz ser "apoio". E se calhar, não percebemos bem. Mas ficámos chocados com aquilo que ele nos contou.

Ele não vai às aulas "normais", com a mesma frequência dos outros miúdos do 6.º ano. Vai apenas uma vez por semana e, claro, não consegue acompanhar os colegas. Os testes são uma perda de tempo, porque, afinal, ele não aprende a matéria.
Passa a maior parte do tempo em que devia estar a aprender, em actividades ocupacionais, ao lado de crianças que, infelizmente, têm deficiências que não lhes permitem acompanhar os outros meninos.
O futuro dele, disse-nos, é fazer os 14 anos e ir para uma Cerci, para aprender uma actividade, como floricultura, por exemplo.

Ficámos em estado de choque!!!

O N. não tem qualquer problema de desenvolvimento.
Não é burro nem atrasado mental, como garantiu que era. Sim, ele está convencido que é atrasado mental! Nestas palavras!

Nós, que lidamos com ele, sabemos que ele até é um miúdo inteligente, curioso... talvez pouco desenvolvido intelectualmente para a idade, é certo, com problemas de concentração, mas que, acredito, se devem ao facto de ser completamente ignorado em casa...
É triste, dizer isso, mas o rapaz não tem amor. As únicas pessoas que se sentam a conversar com ele sou eu, o marido e a minha sogra...
E ninguém lhe toca! A primeira vez que o abracei, ele não soube o que fazer... Nota-se que ele não está habituado a qualquer calor humano. (Daí eu fazer tanta questão de o agarrar...)

E, depois, é natural que, não tendo atenção em casa, se tenha habituado a fazer os piores disparates para que reparem nele.
Mas ser tido como "atrasado", afastado do sistema de ensino normal?!?!

Que pai, na verdadeira acepção desta palavra, pode permitir uma coisa dessas?
Pode deixar que o filho seja condenado, aos 11 anos, ao rótulo de "atrasado" e deixe de poder ter a oportunidade de escolher o seu próprio futuro, quando chegar a idade?

Não consigo verbalizar toda a raiva que sinto por esta situação.
Gostava de fazer alguma coisa, mas sinto-me completamente impotente...

3 comentários:

  1. Acabei de ler e estou aqui de lágrima no olho! Ainda mais que sei (como mãe e encarregada de educação de vários) que esse "diagnóstico" já vem concerteza da primária, a partir daí todos desistiram dele, família, educadores, etc.
    Chocante.

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  2. Olá.
    Eu nem sei o que dizer... só posso dizer que me apetece dar duas chapadas aos pais, para abrirem a pestana... (desculpa se estou a ser bruta).
    muita força para ti, para continuares a ser "amiga" desse menino... ele precisa do amor e da "orientação" que tu lhe dás. de certeza que ele dá valor a isso... espero que ele consiga seguir pelo bom caminho e triunfar na vida, para calar essa gente toda que lhe faz mal. mas principalmente para ele ser feliz.
    bj

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  3. Olá!
    Não fazia ideia disso tudo, mas já tinha noção da falta de afectos da parte da família, e dos vossos por ele.
    O que eu ainda não sabia é que esses pais é que são uns atrasados mentais, embora tenha tido uma pequena ideia disso. O miudo não tem culpa, é "só" uma vítima deles!
    É realmente insuportável essa sensação de impotência.
    GMDT
    C.

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